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Sustentabilidade: Os desafios da Construção Civil em tempos de Copa e Olimpíadas
Setor está em expansão mas muitos pontos ainda estão obscuros quando se trata de sustentabilidade
Hoje o Brasil vive um período de euforia com tantos projetos em andamento na construção civil. O bom momento econômico ajudou a alavancar investimentos no setor de construção civil, despontando, em primeiro lugar, grandes investimentos no setor de construção de moradias e ampliação da demanda imobiliária. Agora, além desse motor, o setor tem outros pontos que deveriam servir de propulsor para o desenvolvimento pleno, com real sustentabilidade e responsabilidade: as grandes obras que a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 trazem como necessidade.
O governo vem assumindo a postura de usar toda essa movimentação no setor para divulgar investimentos em infraestrutura e melhorias em todas as regiões, com investimentos em habitação, estradas, aeroportos e outros setores que muito carecem de investimentos atualmente. A questão que vem então é: estaria sendo toda essa movimentação bem aproveitada para o desenvolvimento local, com sustentabilidade e progresso?
Os investimentos anunciados pelo governo através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que somadas as fase 1 e 2, somam mais de 2 trilhões de reais, estão direcionados para o desenvolvimento em diversas áreas nas cinco regiões do Brasil (veja tabela abaixo). Entre as obras estão ações de infraestrutura de moradia, distribuição de água tratada e energia elétrica, transportes e reforço em questões de educação e saúde, em prol de uma comunidade com cidadania em todas as regiões do país. Dentre todos esses investimentos anunciados, a construção civil faz parte da realização da maior parte dos projetos anunciados pelo governo. E isso faz do setor um dos mais importantes do país no momento.
A euforia do setor
Diante de todos esses investimentos, quem trabalha com a construção civil está vendo boas oportunidades de investimento. De acordo com Wilson Meister, da Ivaí Engenharia, “o setor é fundamental para a manutenção da atual situação econômica do país, haja vista a grande quantidade de recursos investidos em projetos de infraestrutura, a necessidade de manutenção do nível de empregos oficialmente registrados e a movimentação de toda a cadeia produtiva envolvida nestes projetos”.
Entretanto, especialistas alertam sobre os sobressaltos no setor. “Existe uma euforia ‘preocupante’ sendo verificada no mercado que prevê um crescimento em 2011 da ordem de 5%. No entanto, o número de lançamentos nos leva a uma reflexão um pouco mais profunda e por meio de uma abordagem sistêmica, ampliando o campo de percepção visual: o atual ritmo é sustentável por quanto tempo?”, indaga Cleuton Carrijo, copresidente executivo da Sustentábil Construções de Alto Desempenho Ambiental.
Para a arquiteta Sandra Pinheiro, que trabalha com certificações na construção civil, a questão dentro do setor já se mostra um pouco mais profunda e vai além da euforia. “Esse mega investimento não tem se traduzido em desenvolvimento sustentável para a indústria da construção civil brasileira. Há uma morosidade do setor em assimilar novas tecnologias, e até investir em outras largamente utilizadas. Na outra ponta, a aplicação de fechamentos e acabamentos feitos ainda de forma rudimentar, a utilização de materiais virgens altamente predatórios, assim como o descarte ilegal de resíduos tem sido um problema a combater”, afirma.
De acordo com Sandra, existem várias questões que afetam o real desenvolvimento da construção civil no Brasil e que precisam de uma atenção diferenciada. “Um ponto muito importante está relacionado à questão da pesquisa. A produção em pesquisa tecnológica está contida e engessada nas universidades, que necessitam de apoio do setor privado para formar conhecimento e produzir inovação. Outro ponto se refere ao governo, que é maior interessado na discussão sobre racionalização da construção para diminuir o desperdício, não desenvolve políticas públicas para viabilizar a aplicação dos novos sistemas ou investimentos em inovações tecnológicas”, comenta Sandra.
Especificamente na questão da sustentabilidade, Carrijo defende que os princípios da sustentabilidade estejam inseridos nos projetos em andamento na construção civil. “Isso porque princípio é onde tudo principia; não é a quantidade do TER e sim a qualidade do SER que faz toda a diferença. E princípio está acima e além da lei do certo x errado. Então, como princípios importantes da sustentabilidade aplicados na construção para torná-la efetivamente sustentável, temos: o planejamento sustentável da obra; o aproveitamento passivo dos recursos naturais; a eficiência energética; a gestão e economia da água; a gestão dos resíduos na edificação; a qualidade do ar e do ambiente interior; o conforto termo-acústico (impedindo ou dificultando trocas de calor entre o interior e o exterior); o uso racional de materiais; e, finalmente, o uso de produtos ditos verdes e tecnologias ambientalmente verdadeiros”, explica.
A Copa do Mundo e as Olimpíadas
Dois eventos que necessitam de infraestrutura e logística apuradas para seu pleno desenvolvimento, a Copa do Mundo e as Olimpíadas têm surgido como os grandes carros chefes para o desenvolvimento amplo e acelerado nos próximos cinco anos. Para o setor de construção, essa é a oportunidade de crescer, investir e gerar empregos. “Com a certeza de que o setor se manterá por vários anos em grande atividade permitindo com que as empresas invistam em qualificação de mão de obra, talvez nossa principal carência atual, novos equipamentos e soluções de engenharia. Temos uma previsão de crescimento de 5 a 10% no setor para os próximos cinco anos”, conta Wilson Meister.
Dentro da questão voltada a sustentabilidade nesses empreendimentos de grande porte, existem questões que devem ser consideradas, afinal, vão mudar as estruturas das cidades. “Deve haver cautela na apreciação desses empreendimentos. A super exposição de um projeto bem elaborado, com todas as medidas e práticas sustentáveis adequadamente implantadas inclusive de operação e manutenção será um grande benefício para o entendimento dos conceitos de sustentabilidade. No entanto, muitos projetos, adequadamente projetados tanto por arquitetos nacionais quanto internacionais, podem não ser corretamente executados pelas construtoras, em função de limitações de prazos ou orçamentárias, e se transformarem em puro marketing verde, causando um desserviço ao setor”, alerta Sandra Pinheiro.
Em relação às responsabilidades do governo e de todo o setor como um todo em relação às obras, Cleuton Carrijo defende mudanças na postura de atuação e execução dessas obras monumentais. “O Brasil será a grande potência ambiental do planeta em poucos anos. E a quinta maior economia do mundo por volta de 2020. Projetos que costumam ser superfaturados, fugindo da lei das licitações, sofrem de um problema: quanto mais próximos da Copa ou da Olimpíada, as obras na maioria das vezes sofrem um overprice de 30% como ‘taxa de urgência’. Com foco pelo viés da sustentabilidade, essas obras deveriam ser financeiramente viáveis e, uma vez a obra executada, os produtos deveriam durar muito mais, exigindo muito menos manutenção e ao mesmo tempo mais consciência no uso. Porém, se for para ser de outra forma, já deixou de ser sustentável, o que é um problema”, garante.
Sustentabilidade e a responsabilidade ambiental
O crescimento econômico que vem proporcionando a evolução da construção civil no Brasil também precisa ter seu lado de responsabilidade e a inserção da sustentabilidade nos projetos. “Assim como o setor em constante expansão tem sido responsável pela estabilidade econômica do país, também na mesma proporção ou em alguns casos exponencialmente tem produzido severos danos ao meio ambiente e contribuem para a estatística que demonstra que o setor é responsável por 40% das emissões de CO² (dados americanos), maior do que o setor de transportes e também o industrial. Esse crescimento econômico então, tem seu lado perverso para o nosso meio ambiente e deve ser equalizado para não ter efeitos irreversíveis”, afirma Sandra.
Carrijo, dentro dessa questão, direciona alguns questionamentos importantes para que se possa analisar a questão da sustentabilidade e da responsabilidade no setor da construção civil. “Aos construtores: será que os produtos ditos ‘sustentáveis’ usados por nós realmente tem processos produtivos energeticamente eficientes? Será que suas ETEs usam e reaproveitam água em ciclos realmente infinitos? E como anda avançando seu programa de beneficiamento dos resíduos que ela mesma gera e pode reciclar através da manufatura reversa e/ou revender para outras indústrias o que para ela é descarte mas para outra atividade econômica seria um substituto à matéria-prima original, aliviando a pressão por extrair na extremidade inicial de toda a cadeia?”, questiona.
Para Carrijo, as questões de sustentabilidade e responsabilidade ambiental são uma questão de prática. “Por que a prática leva à excelência e não à perfeição – uma vez que ninguém é perfeito. Mas cada um pode e deve buscar a auto-superação à cada novo dia. E a auto-superação conduz ao nível da excelência. E da excelência para a vantagem competitiva é um passo ou dois, de preferência. Temos de lembrar que sustentabilidade na construção civil por enquanto ainda é inovação; e inovação significa tornar concorrentes irrelevantes. Em outras palavras, não importa se a construtora é competente e sim se está competitiva para encarar o futuro. Sair na frente e permanecer adiante do seu tempo”, garante.
OPINIÃO – Álvaro Cabrini (CREA-PR)
De acordo com o engenheiro agrônomo Álvaro Cabrini Jr, presidente licenciado do CREA-PR (Conselho Regional da Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná), os investimentos na área de construção civil são positivos, mas precisam ser concretizados antes de serem comemorados. “É preciso entender que uma coisa é anunciar investimento, outra é realizá-lo efetivamente, disponibilizar o numerário para que o investimento aconteça. Obviamente que isso é altamente positivo, quando estes recursos estão vinculados à construção civil, mas friso que precisamos de investimentos principalmente voltados à infraestrutura, direcionados de forma direta e objetiva, sem burocracia nem falsas promessas”, avalia.
Para Cabrini, hoje as grandes obras trazem benefícios como um todo para o país, mas defende o bom direcionamento dos recursos. “Hoje a engenharia e consequentemente a construção civil são a mola propulsora do desenvolvimento do Brasil. Quando a construção civil vai bem, naturalmente ela puxa o crescimento nacional. Porém, infelizmente no Brasil nem sempre os recursos são direcionados corretamente. Além disso, existe o problema da burocracia. Às vezes existe disponibilidade financeira, mas há um conjunto de normas que inviabiliza este financiamento. Precisamos pontuar esta situação, da mesma forma que é preciso ressaltar a dificuldade de pequenas e médias empresas obterem recursos em virtude do seu porte”, comenta.
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Matéria publicada originalmente na edição 24 da Revista Geração Sustentável
Jornalista: Lyane Martinelli
Fotos: divulgação
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